sábado, 18 de abril de 2009

Conhecendo o Gelo Continental Patagônico

Viajar de ônibus para o sul da Argentina seguramente não é a forma mais confortável, afinal, levam-se cerca de três dias de Joinville a El Chaltén. Para quem compra passagem em cima da hora, o ônibus é uma opção um pouco mais barata que o avião, mas a grande vantagem mesmo é poder ir conhecendo um pouco da incrível paisagem deste país andino.

Assim, Eduardo Pedro e eu, Luana Hudler, partimos da calorosa Joinville, no dia 9 de janeiro, de ônibus, e sempre de ônibus chegamos em El Chaltén no dia 12/01/09.
A chegada, num final de tarde de céu limpo, foi bem marcante. Da estrada, ainda longe, as agulhas de granito despontam no horizonte, contrastando com as imensas mesetas que acabamos de cruzar no semidesértico patagônico. O peito foi se enchendo de uma euforia, de emoção mesmo ao ir chegando cada vez mais perto daquelas respeitáveis montanhas rodeadas por glaciares. Ao sair do ônibus, já no povoado de El Chaltén, o vento nos deu suas boas-vindas.




Chegando em El Chaltén


Os primeiros dias foram de mau tempo e aproveitamos para conhecer o pueblo, as pessoas, pegar informações, monitorar o tempo e traçar estratégias. Uma janela de bom tempo ainda iria demorar alguns dias. Ao invés de ficar esperando pelo bom tempo sem fazer nada, decidimos então fazer algo que planejáramos deixar para o final da viagem: uma travessia nos gelos continentais do sul patagônico.

Saímos da cidade com tempo ruim e adentramos o vale do Rio Elétrico rumo ao Paso Marconi, que dá acesso ao campo de gelo sul. O percurso inclui trechos de bosques, muitas morenas, a gelada travessia do Rio Pollone, mais morenas e por fim a subida do Glaciar Marconi, parte mais íngreme deste trajeto. Levamos três dias e meio para chegar ao Paso Marconi, durante os quais pudemos viver uma experiência intensa com o vento patagônico. Um vento fortíssimo que vez em quando nos derrubava no chão com fortes empurrões, dificultando a progressão e proporcionando visões surreais, como a água do Lago Eléctrico e das cachoeiras jorrando para cima!


Lago Eléctrico

No quarto dia alcançamos finalmente o Paso Marconi, mas creio que com bom tempo poderíamos ter chego ali em um dia e meio. Como o tempo continuava tormentoso, decidimos esperar a melhora no Refúgio Gorra Blanca, ao norte do Paso Marconi. O vento sacudiu o refúgio durante a noite toda e quase todo o dia seguinte. No final da tarde porém, uma surpresa. O céu limpou completamente e pudemos admirar a impressionante paisagem que havia em nosso entorno. O Cerro Gorra Blanca, com suas espessas encostas nevadas, os imensos e brancos maciços montanhosos que despontam a Oeste, o vasto platô de gelo que se perde nos horizontes. Em direção sul, as agulhas dos cordões Torre e Fitz Roy contrastando com o céu de fim de tarde. Um grande privilégio poder admirar toda essa beleza e sentir a magnitude daquele lugar.


Glaciar Gorra Blanca

No dia seguinte cruzamos todo o branco platô, do Refúgio Gorra Blanca até a Laguna Ferrari. Durante a caminhada percebíamos o isolamento daquele mundo de gelo e de silêncio, a paisagem intocável, protegida pelas barreiras cordilheiranas. Gigantescos glaciares deslizam pelas ladeiras das montanhas, tomando formas que revelam a vida própria desses rios de gelo. Parávamos por uns momentos para apreciar a vista da face oeste do Cordão Torre.

Prosseguimos pelo gelo firme em ritmo forte, contornando muitas gretas, até chegar nas bordas do imenso Glaciar Viedma. Pela morena, bordeamos o glaciar e em determinada altura podíamos contemplar aquela imensidão de gelo em movimento, que parte desde o horizonte, esparramando-se sobre o vale escavado pelo próprio glaciar.
O dia intenso de caminhada e de paisagens terminou na Laguna Ferrari, um pouco antes do Paso del Viento, onde passamos uma noite tranquila, sem vento e sem nuvens.
Dia seguinte fomos erguendo acampamento sem pressa, assimilando tudo o que já tínhamos visto e caminhado. Subimos lentamente a morena até o Paso del Viento. Havia ainda uma longa caminhada até El Chaltén. Descemos então as imensas morenas que bordeiam o Glaciar Túnel. Após uma tirolesa curta e bem aérea sobre o turbulento Río Túnel, passamos pela Laguna Toro e finalmente entramos em contato com o mundo verde novamente, deixando para trás aquele cenário completamente mineral. Seguimos mais algumas horas por bosques e prados até o povoado.

Chegamos de volta ao acampamento Confluencia, na entrada da cidade, ao final do dia, cansados e felizes pela “realização de um sonho antigo”, como disse meu parceiro Eduardo.
Um sonho antigo que nasceu aqui nas serras de Joinville, onde moramos. Um lugar totalmente diferente da patagônia é claro, mas o lugar onde nossa história com a montanha começou. Em El Chaltén, assim como em outras regiões dos Andes, as caminhadas de aproximação são bem longas, algumas com consideráveis desníveis. As muitas andanças pela Serra do Mar, que tem desníveis muitas vezes superiores a mil metros, proporcionaram bastante preparo para nossas pernas. Por isso, mesmo estando em terras longínquas, lembro sempre do lugar onde aprendemos e treinamos, adquirindo experiência e preparo para aventurar-nos em outras paragens.



Luana Hudler

3 comentários:

Daniel J.Casas, Joinville/SC disse...

Grande Lu!!!
Muito massa ler suas idéias e devaneios sobre esse lugar cheio de histórias e paisagens.
Montanhas, glaciares, ventos e vias...aventura e auto conhecimento!
Bom também, sentir sua consciência de onde iniciou sua vida de montanhas, seu apego a Serra a Mar e seu reconhecimeto da importância desta em suas experiências... Sinto-me feliz em ter acompanhado desde o princípio seu desenvolvimento no esporte e ainda hoje participar dessa sua busca pela liberdade dos grandes espaços!!

Que venham outras e outras e outras...
Daniel

Reginaldo Carvalho disse...

Pode crê Lu, isso que é montanhismo na sua essência, fico muito feliz em poder compartilhar experiencias com vocês, desejo que haja muitas dessas ainda.
Bons ventos

Fernando disse...

Lu; sou o fernando de Americana e estou pretendendo fazer a travessia no final deste ano e gostaria de algumas inf....
Vc fez por agência ou por conta?!
Eu gostaria de fazer por conta mas... se for por agência tbm rola?!
Em relação a mapas vc tem alguma coida de lá?!

Se puder me ajudar agradeço

Obrigadooo