segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Escaladoras do Sul nas alturas – Expedição Cordillera Blanca 2009

Por Luana Hudler

A expedição Cordillera Blanca 2009 foi bastante importante para as Escaladoras do Sul. Nesta viagem pudemos conviver mais e aprender a nos entrosar mais na escalada, que flui melhor quanto mais conhecemos nossos parceiros e parceiras, seus pontos fortes e fracos, os bons e maus humores, os desejos e objetivos de cada um. Na montanha, nos conhecemos mais a fundo e aprendemos uns com os outros.
Todas as nossas investidas, tentativas, fracassos e cumes alcançados nos proporcionaram muito aprendizado sobre o ambiente de alta montanha, sobre técnicas e logística, sobre amizade e companheirismo. Somamos muitos pontos positivos para nosso grupo que agora está um pouco mais experiente e com muita gana de encarar novos desafios.
Além das empreitadas com Dani e Dea na Cordillera Blanca, eu tive algumas outras experiências sem minhas companheiras. Experiências bem pessoais que me proporcionaram muito aprendizado também. Compartilho aqui um pouco dessas outras aventuras por aquelas montanhas espetaculares.

Campo Alto do Tocllaraju

Cordilheira dos Andes. Esta vasta cadeia de montanhas que atravessa nossa querida sudamerica fascina qualquer montanhista. É sempre um sonho poder visitar qualquer um dos países andinos, que encantam por seu povo, sua cultura, suas montanhas.
Apaixonada por alta montanha, fiquei muito animada quando Andrea teve a idéia de irmos novamente para a Cordillera Blanca, desta vez em expedição feminina. Já havia estado lá em 2008, quando tive minhas primeiras experiências com grandes glaciares e grandes altitudes e foi impossível não se apaixonar pelo lugar.
Estando lá pela segunda vez, fiquei com muita gana de tentar uma montanha mais alta, algo técnica, que me proporcionasse nova experiência.




Quebrada Ishinca


Assim, ocorreu que, quando chegamos na Quebrada Ishinca, estando de cara para o majestoso Tocllaraju, de 6034m de altitude, me bateu uma vontade irresistível de tentar escalá-lo.
Já havia subido o Urus e o Ishinca na temporada anterior e quando vi as equipes no campo base se preparando para subir o Toclla, aquilo começou a me dar tanta fissura que até me encordaria com alguém que tivesse acabado de conhecer. Comecei a conversar com algumas pessoas, tentando pescar se havia possibilidade de me encordar com alguém. Um campamentista de uma expedição comercial me disse que seria possível encontrar parceria no campo alto, que haviam subido um guia com um único cliente e que talvez eles me aceitassem na cordada. Pensei, não custa tentar. Aliás, custaria no máximo a caminhada até o campo alto. Sabia perfeitamente que ali não era o lugar nem a melhor maneira para se formar uma parceria, mas a teimosia me fez seguir. Queria muito escalar o Toclla, ou ao menos chegar mais perto daquela montanha linda.
Dia seguinte lá fui eu, cargando todo o material para pernoite e para escalada, até corda levei. Custou umas quatro horas pra chegar ao campo alto, a 5100m, um caminho que me pareceu equivaler a subida do Urus (5495m).




Campo alto do Tocllaraju


Por fim, o que já era de se esperar, ninguém das cinco cordadas que estavam lá, todos homens, quis levar uma mulher desconhecida. O que é perfeitamente compreensível. Imagina se alguém ia querer arriscar de não fazer o cume por ter levado uma mulher que nunca viram na vida. O grupo dos franceses, muito simpáticos, disseram que eu até poderia ir com eles mas como eles iam baixar com esquis.... eu não teria como baixar sozinha. Assim foi que fiquei só na vontade.
Não precisando acordar de madrugada, saí da barraca só quando amanheceu. Fiquei ali no campo alto do Toclla até mais tarde curtindo o visual da montanha e acompanhando algumas cordadas que já iam alto pela rota normal. Me impressionava a beleza daquela montanha, especialmente sua face Oeste, uma parede de gelo de 600m, com 60o-80o de inclinação. Quase ninguém escalou essa rota nesta temporada de 2009, que teve bastante nevadas e as condições do gelo não estavam favoráveis naquela parede. Acompanhei ainda a descida de algumas cordadas. Ver os quatro franceses baixando em esquis foi emocionante. Lá pelo meio dia comecei a arrumar as coisas e desci para o vale.




Esquiadores baixando do Tocllaraju


Chegando no base, encontrei minhas amigas Dani e Déa. Contamos nossas aventuras e desventuras e ficamos tomando vinho até altas horas sob um lindo céu estrelado. O próximo plano era subirmos o Ishinca, as três. Mas eis que, no dia seguinte (parece até que virou perseguição), encontrei um guia conhecido de Huaraz. Sua cliente havia passado mal e teve que voltar pra cidade e como ele ficou sabendo que eu gostaria de subir o Toclla me convidou para escalar com ele. Também nos acompanharia um grupo de amigos, três venezolanos, que formavam outra cordada. Eu estava com um pouco de preguiça de subir de novo aquela morena, mas como afinal o que estive buscando no dia anterior acabou por aparecer no meu caminho... resolvi ir.
Lá fui eu de novo, mochilão nas costas, subir o morenão do Toclla. Pelo menos desta vez reduzi o tempo de subida para duas horas e meia. As pernas já estavam mais acostumadas com as morenas.
Caminhando pela morena empinada mas em bom ritmo, íamos curtindo o visual, nos sentíamos reconfortados pelo lindo dia de sol. Fazia bom clima e estávamos animados. Infelizmente estas agradáveis sensações foram interrompidas quando nos aproximávamos do campo alto do Toclla, de onde já se podia avistar mais de perto a face oeste da montanha. Logo encontramos um guia que nos deu a notícia de que havia ocorrido um acidente grave na parede, na rota direta. O acidente ocorreu com uma cordada de três jovens belgas que despencaram uns 400m, parando próximos à rimaya na base da parede. Do acampamento podíamos ver três pontinhos pretos contrastando com o branco da neve, eram os corpos dos escaladores mortos.




Parede Oeste do Tocllaraju


A cena era bastante impressionante, chegar ali para escalar a montanha e deparar-se com esse terrível acontecimento, me causou sensações estranhas e incômodas que me fizeram pensar em muitas coisas.
Sensações estranhas porque a morte abala a moral de qualquer um. Estamos expostos a riscos seja na montanha ou na cidade, afinal, para morrer basta estar vivo, mas ver as pessoas mortas ali tão próximas me fez tomar mais consciência disso e pensei na idéia de poder passar o mesmo comigo.
Sensações incômodas porque apesar de haver três pessoas mortas na parede, nosso grupo não mudaria os planos de tentar escalar a montanha. Nada podia fazer por aqueles que já estavam mortos mas me sentia um pouco mórbida por ainda querer escalar. Esses pensamentos se instalaram na minha mente e colocaram em questão minhas idéias sobre escalar montanhas, sobre minha relação com a montanha e com os outros.
Nos recolhemos em nossas barracas no final daquele dia, que terminava com o céu limpo e sem vento. O plano era sair naquela madrugada.
Deitada na barraca tentando dormir ou ao menos descansar, quando começou a soprar um vento que foi crescendo, tornando-se cada vez mais intenso até começar a sacudir as lonas da barraca e dobrar suas varetas nas rajadas mais fortes. Esse vento, que começou às onze da noite, não parou mais, a noite toda açoitou o acampamento e a montanha, tornando aquela noite ainda mais insólita. Pensamentos surreais me acudiam a mente: esse vento furioso, deve ser a alma dos mortos sobrevolando as montanhas, reclamando seu destino... As almas povoariam aquela montanha enquanto seus corpos estivessem lá.
A virada no tempo frustrou nossa escalada, mas acabou me dando certo alívio. A montanha afinal decidiu por nós se deveríamos escalá-la ou não.
Ao amanhecer o vento continuava forte e agora com nevisco. Um grupo de resgate recém chegava de Huaraz para resgatar os corpos dos escaladores mortos. Uma dura tarefa intensificada ainda mais pelo mau clima. Ao nosso grupo nada mais restava que desarmar acampamento e baixar.




Quebrada Ishinca, vista do campo alto do Tocllaraju


No campo base, quando o grupo de resgate baixou, conversei com um dos guias que contou que o acidente provavelmente foi causado por imprudência, excesso de auto confiança dos escaladores, que escalaram em simultâneo e não colocaram seguros. Um grande risco que acabou custando a vida dos três. O ambiente de alta montanha já é por si só um ambiente que potencializa riscos, onde todo cuidado é pouco e por mais experiência e domínio das técnicas, nunca se pode subestimar a montanha. Imprevistos podem acontecer, coisas que não dependem do escalador, então porque aumentar os riscos?
Mais uma vez não tive a chance nem de tentar escalar essa montanha. Mas como saldo acabei ficando especialista no campo alto do Toclla. ;o) E afinal, sempre há o que se aprender na montanha, seja numa tentativa frustrada, num cume bem sucedido, ou simplesmente estando lá.





E o tempo fechou no Tocllaraju


Uma visita ao Alpamayo

Ainda na fase de planejamento da viagem ao Peru, pesquisando sobre montanhas e rotas da Cordillera Blanca, me interessou bastante o nevado Quitaraju, um seis mil que fica na Quebrada Santa Cruz/Arhueycocha e que possui uma rota pela aresta oeste, de nível PD. Uma aresta linda e afilada, que proporciona uma vista magnífica dos dois lados da montanha e fica de cara pro Alpamayo, montanha ainda mais impressionante.
A possibilidade de uma investida no Quitaraju surgiu após ter conhecido o grupo de venezolanos na Quebrada Ishinca. Eles tinham planos de ir à Quebrada Santa Cruz com expedição comercial para escalar o Alpamayo pela rota francesa, com guia e cordas fixas. Um deles também tinha vontade de escalar a aresta do Quitaraju. Tendo esse objetivo em comum, me convidaram para participar da expedição ao Alpamayo e, após essa investida, formaríamos uma cordada para escalar o Quitaraju.
Hesitei um pouco quanto a escalar o Alpamayo com cordas fixas, pois esse não é o estilo que gosto de escalar e em certos aspectos sou contra as expedições deste tipo pelos muitos problemas que algumas delas causam ao ambiente de montanha. No entanto, eu estava irresistivelmente atraída pela oportunidade de ganhar alguma experiência e de conhecer a rota daquela montanha que um dia quero escalar de forma independente. Não dava para perder aquela oportunidade.
Então, um dia depois de termos baixado da Quebrada Ishinca, adentramos a Quebrada Santa Cruz, bem ao norte da Cordillera Blanca. As quebradas são vales de origem glaciar que dão acesso aos nevados. Comumente ladeados por enormes paredões de granito, esses profundos vales foram moldados por antigos glaciares, que recuaram e deram forma aquelas paisagens. A Quebrada Santa Cruz é uma das mais deslumbrantes, um cenário que se pode apreciar durante a longa aproximação ao Alpamayo/Quitaraju.




Quebrada Santa Cruz, nevado Taulliraju ao fundo





Subindo para o campo base Alpamayo/Quitaraju


Fizemos essa aproximação em quatro dias. No primeiro dia, após uma caminhada de quatro horas por terreno relativamente plano, chegamos ao primeiro local de acampamento, que chama-se Llamacorral. No segundo dia dormimos no campo base, a 4000m de altitude e que tem uma vista esplêndida do Artesonraju e da encosta leste do Quitaraju e do Alpamayo. No terceiro dia passamos a noite no campo morena, a 4600m e a cerca de três horas do campo base. Três dias muito tranquilos e de completo desfrute.




Artesonraju, visto do campo base





Encosta leste do Alpamayo, vista do campo base





Campo morena


No quarto dia finalmente entramos no glaciar e aí começou a verdadeira emoção de estar na alta montanha. Do campo morena até o campo alto são cerca de quatro horas de caminhada no glaciar, cruzando algumas gretas. O trecho final são uns 60ms com 30o-45o de inclinação, e aí chega-se ao colo Quitaraju/Alpamayo.




Galera subindo para o campo alto




Nosso grupo, subindo para o campo alto




Acampamento alto, no colo entre Alpamayo e Quitaraju


Chegando no colo, segundo fotos e informações, tem-se uma vista alucinante da parede sudoeste do Alpamayo e da face norte do Quitaraju. O acampamento fica entre essas duas impressionantes montanhas, a 5400m de altitude. Mas quando chegamos aí o tempo estava completamente fechado e a vista que tivemos foi de uma massa de nuvens densa e branca encobrindo tudo. O clima permaneceu assim durante toda a estadia no campo alto, privando-nos de qualquer vista das montanhas. Mesmo assim era emocionante estar naquele lugar.



Nosso acampamento no glaciar do Alpamayo


O plano era acordar a uma hora da madrugada, então, assim que entardeceu nos recolhemos em nossas barracas para descansar. Conforme combinado, a uma hora da manhã tomamos algo caliente e em seguida caminhamos em direção a parede, para a base da rota francesa, o que levou cerca de uma hora. Três membros do grupo não puderam prosseguir pois passaram mal e retiraram-se antes de entrar na parede. Fomos então eu, Raul, o guia e o assistente. A rota já estava equipada com cordas fixas em toda sua extensão de 400m, com reuniões a cada 60m feitas com estacas e abalakovs, tornando a escalada absolutamente simples e fácil, porém exigente fisicamente. A rota possui inclinação constante de uns 75o, e a última cordada é mais empinada, uns 85o-90o. Poderia ter usado um jumar se quisesse, mas preferi escalar com dois piolets técnicos e um tibloc era o que me dava segurança na corda fixa (a solteira também ia na corda como backup). A cada parada só tinha que mudar o sistema para a próxima corda. Com as luvas duplas essa era a única tarefa que demorava um pouquinho. Escalamos os 400m em um tirón de duas horas, chegando no cume, a 5947m, pouco antes das cinco da manhã, sem vista nenhuma pois além de estar totalmente escuro haviam muitas nuvens.



Raul e eu no cume do Alpamayo


A baixada também foi simples, eu e Raul rapelávamos na frente e os guias vinham recolhendo as cordas. Durante a descida encontramos várias cordadas subindo, inclusive um outro grupo de umas doze pessoas que também escalavam por cordas fixas em uma linha bem ao lado da nossa. Alguns pedaços de gelo começaram a cair em nossas cabeças quando estávamos já mais abaixo dessas cordadas, demonstrando como pode ser perigoso escalar em uma rota abarrotada de gente.
As sete da manhã já estávamos de volta no acampamento. O clima continuaria fechado por mais alguns dias então acabamos desistindo de encarar o Quitaraju e começamos a fazer o caminho inverso na quebrada Santa Cruz.



Baixando do colo Alpamayo/Quitaraju




De volta ao campo base, vista leste do Quitaraju e Alpamayo





Regressando a Cashapampa


Bom, eu não tive qualquer vista das montanhas lá em cima e também não pude escalar o Quitaraju, mas pude desfrutar o puro prazer de escalar 400m de gelo, numa montanha maravilhosa, num lugar maravilhoso. Um presente dos Andes que me deixou muito feliz!

Luana Hudler.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Cordilheira Blanca uma paixão a primeira vista


A Cordilheira Blanca fica localizada no Peru, as montanhas, a sua maioria acima de 5 mil metros de altura, ficam situadas em torno da cidade de Huaraz, que recebe durante a temporada, que vai de maio a setembro - sendo que o melhor clima é em junho e julho -, turistas de todos os lugares do mundo.

Huaraz está situada a cerca de 3000 metros do nível do mar, o que já causa um desconforto logo na chegada. A partir da cidade existem dezenas de opções de diversão para todos os gostos, desde os mais tranqüilos até os mais radicais. Escalada em gelo, trekking, mountain bike, escalada em rocha.. Mas o que predomina na região é a escalada em alta montanha. Estivemos durante dois meses na região de Huaraz e tivemos a oportunidade de tentar a subida de seis montanhas, tendo êxito em quatro delas. A aclimatação é o que mais influencia, principalmente para os brasileiros que estão acostumados mesmo é com praia e sol.


A nossa “barca” estava composta por três meninas, brasileiras, o que causava muito estranhamento entre os outros escaladores. A Andréia (Soares, 30, Floripa) e a Luana (Hudler, 36, Joinville) já haviam estado na Cordilheira Branca em 2008, e eu estava estreando na neve.

Aclimatação e escalada em rocha

A primeira tentativa foi o Maparaju, uma montanha classificada como fácil, porém não muito visitada, com o cume a 5.326m de altitude. Uma ótima tentativa, que valeu muito como experiência, já que tive a oportunidade de sentir todos os efeitos do mal de altitude. A Andréia e a Luana estavam melhores e saíram para tentar o cume, mas desistiram na entrada do glaciar devido à lentidão e o cansaço, causados pela falta de aclimatação.

A segunda investida na montanha foi na Quebrada Llaca. O plano desta vez era aclimatar escalando durante dois dias em rocha, no acampamento base, e depois subir para o acampamento moraina do Vallunaraju, montanha de 5675m de altitude. Como o acampamento moraina fica perto do glaciar, a cerca de 5000m de altitude, foi possível realizar durante três dias práticas de técnicas de caminhada em glaciar, sistema de resgate em greta e até escalada em gelo. No terceiro dia estávamos tão cansadas e esgotadas de permanecer tanto tempo a 5 mil metros que desistimos de tentar a subida ao cume.

De volta a Huaraz tiramos férias dos nevados e fomos escalar em rocha em Hatun Machay, um sitio de escalada deportiva localizada na Cordilheira Negra, há cerca de 60km de Huaraz e a 4300m de altitude. Puro desfrute, com vias bem protegidas, sol quente, céu azul e tudo isso ao seu alcance caminhando apenas quinze minutos. Depois de sete dias de escalada em Hatun todas conseguiram evoluir um pouco, ganhar mais confiança e finalmente se aclimatar a altitude. O próximo destino era a Esfinge.

A Esfinge é uma montanha de granito com vias de até 750m, seu cume está a 5325m de altitude, localizada na Quebrada Paron. Um grande desafio para nós três, destes de tirar o sono e causar ataques na geladeira, se tivéssemos uma, é claro. Chegado o dia D, acordamos às 5 da manhã, caminhamos até a base da via e com as primeiras luzes do dia começamos a escalada. O plano era no primeiro dia escalar até o grande platô, ao todo 9 cordadas, passar a noite por ali mesmo e no outro dia escalar as 10 cordadas restantes, trecho, que segundo informações, era mais fácil tecnicamente, porém, mais exposto e de difícil orientação. Fomos bem até a quinta cordada, pelo menos era a sensação de quem estava guiando. Porém, quem escalava de segundo sofria com as duas mochilas pesadas, que carregavam sacos de dormir, jaquetas de plumas e muita comida e água. Mulheres sempre prevenidas, tínhamos tudo nas mochilas. Como a escalada seguia lenta e as mochilas cada vez mais pesadas, decidimos descer. E pudemos ver um lindo por do sol quentinhas e confortáveis em nosso acampamento. Como consolo o tempo fechou e nevou durante a noite, foi bom estar na barraca e não no platô. A Esfinge continua lá, e a gana de voltar ainda vibra por aqui.

Cumes Nevados

De volta a Huaraz, pisco e conchitas no Vagamundo e preparação para a próxima empreita. Depois de muito discutir, conseguimos ir as três novamente para a Quebrada Ishinca, local de acesso para a escalada dos nevados Urus, Ishinca e Tocllaraju. A Luana fez duas tentativas ao Tocllaraju com expedições distintas, mas o tempo não estava favorável. Eu e a Andréia fomos para o Urus e o Ishinca. No Urus começamos a caminhar na moraina as quatro da madrugada, a Andréia não se sentiu bem e desceu. Continuei sozinha, bom, difícil estar sozinha nestas montanhas, mas digamos que segui subindo sem as minhas “amiguinhas”. Cheguei ao cume as oito da manhã, e às dez já estava de volta ao acampamento, o tempo estava lindo, céu despejado e sem vento.

Na madrugada marcada para a subida do Ishinca o tempo começou a cambiar, ventava forte. Mesmo assim seguimos com o nosso plano, eu e a Andréia iniciamos a caminhada às quatro da madrugada e às dez da manhã estávamos no cume, permanecemos ali trinta segundos, pois o tempo estava cada vez pior. Finalmente depois de tomar muita surra na Cordilheira Branca fomos presenteadas com uma escalada bem sucedida e lindas fotos de cume.
Alguns dias em Huaraz para reabastecer as energias. E aqui a nossa “barca” se separa. A Andréia, nossa mestre em ecologia, volta para trabalhar, porque alguém tem que trabalhar né? A Luana realiza um sonho e vai escalar o Alpamayo, feito que ela vai contar aqui, pois merece um relato da própria. E eu fico em Huaraz esperando a Luana para seguirmos com os nossos projetos. Cinco dias depois a Luana volta e nós duas seguimos para tentar o Pisco, na Quebrada Llaganuco, onde também estão localizados os acampamentos base do Chopiqualqui e do Yanapacha.


Fizemos a ascensão ao Pisco, 5752m, em três dias. No primeiro fomos até o acampamento base. No segundo fomos até o acampamento moraina e na madrugada saímos para o ataque. Entramos no glaciar às quatro da manhã, às oito estávamos no cume e às dez da manhã comendo macarrão já de volta ao acampamento moraina. Descansamos um pouco e já iniciamos a descida ao acampamento base. Pachamama nos presenteou com um lindo amanhecer, clima perfeito e um visual incrível, do cume do Pisco se pode ver o Artesonraju, o Alpamayo, o Quitaraju, o Chacaraju e até a Esfinge, que continua esperando por nós.

A última empreita foi o Vallunaraju, afinal já havíamos estado lá, já conhecíamos a entrada no glaciar e é uma montanha próxima de Huaraz, com fácil acesso. Em dois dias conseguimos fazer toda a correria. Saímos de Huaraz por volta do meio dia, chegamos ao acampamento moraina por volta das quatro da tarde, com bastante tempo para descansar e comer. Na madrugada, por volta das cinco da manhã, iniciamos a subida ao cume. A montanha, apesar de ser tecnicamente fácil, é muito impressionante, com gretas, pontes e blocos de gelo e uma linda cornisa para se chegar ao cume. Por volta das nove da manhã estávamos no cume apreciando o Huascarán e o Chopicalqui no horizonte. E no fim do dia em Huaraz, de volta ao pisco e as conchitas.

Foram sessenta dias de Cordilheira Branca e não vejo a hora de voltar. Sei que minhas parceiras sentem o mesmo. A grandiosidade do lugar assusta, encanta e apaixona. Os desafios, os medos, as vitórias, a superação, a amizade e o aprendizado foram intensos durante esta temporada. Estivemos sempre escalando em cordadas femininas, não usamos porteadores nem guias. As montanhas que subimos são tecnicamente acessíveis e bem freqüentadas, porém exige preparo físico, uma boa aclimatação e muita gana.


Por Danielle Pinto

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Nada é de graça ! Escalada em rocha no Rio de Janeiro Temporada 2009






Esta era a terceira vez que eu me preparava para escalar no Rio de Janeiro, a diferença das outras vezes estavam nos objetivos. A primeira vez, com apenas algumas meses de escalada na bagagem a expectativa estava em conhecer o lugar e ver as paredes que sempre estavam nas conversas dos escaladores mais experientes. Na segunda vez, a idéia era tentar acompanhar meu parceiro, de segundo, é claro, com olhos bem abertos e sem atrapalhar. Agora, desta vez, com um pouco mais de experiência estava ansiosa por uma escalada mais comprometida, ponteando e desfrutando de todo aquele granito.

Partimos de Curitiba eu e o Ingo Moller, a Luana Hudler e Eduardo Pedro, de Joinville. A primeira parada foi no Dedo de Deus que fica localizado na estrada Rio-Teresópolis. A montanha é de embasbacar, como tudo no Rio de Janeiro. Mas ainda não foi desta vez que chegamos no cume. As informações que tínhamos sobre a entrada da trilha diziam que o seu início era atrás da estátua da santa, depois de varar mato por duas horas, descobrimos que não era exatamente assim. Fizemos um bom reconhecimento da mata atlântica e no final do dia tocamos rumo as Torres do Bonsucesso, com a intenção de tentar novamente o Dedo de Deus quanto estivéssemos voltando.

Torres do Bonsucesso está no caminho para Salinas, se você segue pela estrada Rio Petrópolis, e não é a toa que a montanha é capa do Guia de Escalada dos Três Picos. A sua beleza, o seu tamanho e o tipo de escalada torna o lugar realmente impressionante e exigente, tanto fisicamente como psicologicamente. Seguimos as orientações do Guia do Serginho e conseguimos chegar à propriedade onde se encontram as Torres sem problemas, a localidade se chama Boa Vida, e realmente é. O dono da propriedade nos deixou usar uma cozinha, banheiro, água, lugar sossegado para acampar. Boa vida mesmo. Para acessar as escaladas rola uma meia hora de trilha tranqüila, depois uns 200m de costões, tipo aderência. A chegada na base da via que escolhemos já foi uma aventura, agora faltavam as seis cordadas da via Grito das Andorinhas. Não tínhamos material suficiente e por isso fomos os quatro em uma cordada só. O Ingo foi primereando tudo, e nós fomos nos ralando atrás, a via é basicamente fenda e off width, algumas vezes um pouco suja porque não é muito freqüentada. Fomos até a quarta cordada e decidimos descer, já era tarde e coisa ia ficar mais difícil dali para frente e ainda tínhamos que destrepar os 200m de costões. Todas as vias em Torres do Bonsucesso possuem lances obrigatórios de 7 grau, nada desportivo, é tudo no melhor estilo escalada de aventura, natureza exuberante, do tipo que nos faz sentir muito pequeninos e insignificantes. Uauuu!
Depois da surra na Grito das Andorinhas os quatro estavam convencidos que devíamos tentar algo mais tranqüilo para facilitar o nosso sucesso. Fomos então para o Morro dos Cabritos, a via desta vez ainda não iria ser o O céu é o Limite ( quem sabe numa próxima...) fomos para a Mario Arnoud, um 5 grau de aderência com 500m.

No Morro dos Cabritos a boa vida acabou. Tivemos que acampar na beira da estrada, embaixo de um barranco prestes a desmoronar, porque a pessoa que autorizava acampar dentro da propriedade não estava, e sem a palavra dele nada feito. Fomos dormir com céu estrelado e acordamos no meio da noite com muita água caindo. Pela manhã o sol estava brilhando e fomos caminhando no capinzal todo molhado até a base da via. Começamos a escalar a aderência meio melecadinha, e lá pelo meio da escalada tivemos que esperar a pedra secar para continuar. Nunca é de graça!!. Mas subidos até o cume, pegamos um lindo por do sol e uma noite com céu desperrado e estrelas cadentes.

Finalmente chegamos em Salinas e aí ficamoss mais duas semanas. A equipe de duas cordadas acabou se tornando uma cordada de três, o Ingo voltou para Curitiba. Antes de partir escalou com a Luana e com o Edu a via Sólidas Ilusões no Capacete.
Ficamos acampados no Vale dos Deuses, cerca de 1 h da base da Leste e 30min das principais vias do Capacete. A primeira escalada da cordada foi a Kabong no Capacete, as cordadas foram divididas igualmente. Tanto para mim como para a Luana foi a primeira vez que tivemos a frente por trechos de quatro, seis cordadas. E parece que as moças gostaram. No outro dia, como o tempo não estava muito bom para enfrentar o Pico Maior, voltamos para o Capacete e escalamos a Cerj. O Edu que já havia feito a via, fez a gentileza de nós presentear com as suas cordadas, e assim eu e a Luana fomos revezando os 450m da via. Sempre com uma nuvenzinha cinza carregada no horizonte para botar uma pilha maior nas meninas. Nunca é de graça! Na descida uma chuvinha para lembrar a galera que na montanha é sempre melhor agilizar o processo.

Alguns dias de chuva na seqüência e a galera só pensava, falava e respirava Pico Maior. Até que amanheceu desperrado, céu azul, vento forte... bora é agora ou nunca. Começamos as oito da manhã e as três chegamos ao cumbre com forte vento e mar de nuvens. Lanche rápido e dale fazer rapel que não acaba mais. Final do dia cansados e realizados no Vale dos Deuses do lado do fogão a lenha do seu Reinaldo. No outro dia tempo ruim e baixamos, ainda faltava o Dedo de Deus.

Com informações mais precisas dos cariocas conseguimos finalmente achar a trilha, nosso primeiro desafio. O segundo foi os metros e metros de cabo de aço, para quem está indo escalar não é a atividade dos sonhos... mas uma hora acaba e aí começa a escalada. Escolhemos a Teixeira, via de conquista do pico, alguns lances de artificial, pedra úmida e chaminé para todos os gostos. Realmente todo montanhista tem que subir pelo menos uma vez o Dedo de Deus, quer dizer, ter não tem, mas é muito massa...

Ainda não satisfeitos, e com uns dois dias de crédito para acabar o deadline da trip, decidimos dar uma parada nas Agulhas Negras. Chegamos lá no final do dia, cansados e logo de cara o “guarda do parque” disse para mim e para a Luana que sem guia não entrava. Bom, o Edu desceu do carro e daí a coisa mudou, poderíamos entrar, mas só das 7 da manhã as 5 da tarde, porque acampar não pode e para dormir no refúgio tem que reservar com 30 dias de antecedência e tem que pagar R$ 10,00 por pernoite. Falando em pagar, também tinha R$ 12,00 por pessoa de diária do parque mais R$ 5,00 do carro por dia. Mas nem pagando podíamos ficar porque não fizemos reservas. A indignação foi total, tocamos para a casa. No retorno o papo era a temporada 2010, as vias que iríamos escalar e os dois meses que teríamos que ficar no Rio de Janeiro para realizar todos os novos objetivos.


Danielle Pinto

sábado, 18 de abril de 2009

Sonho não se sonha só


Sonhos de aventura, sonhos de montanhas. É muito bom quando surgem oportunidades e pessoas que possibilitem irmos em direção aos nossos sonhos.
Quando Andrea idealizou o grupo Escaladoras do Sul, surgiu a oportunidade de realizar um desses sonhos. Formar uma parceria com outras mulheres aventureiras para escalar em picos incríveis. Seria algo bem especial.

Mas inesperadamente, surgiu uma outra oportunidade também imperdível. Conhecer um lugar espetacular de nosso planeta e que se tornou sonho desde que ouvi falar dele: o Parque Nacional Los Glaciares, na Argentina.

A possibilidade de estar perto das fabulosas torres de granito de El Chaltén, de comprovar o que todos falam sobre seu clima instável, de sentir na pele o incansável vento patagônico.... me causou euforia mas também indecisão. Ora, justo agora que se formava a parceria com as Escaladoras do Sul? Estava diante de duas oportunidades alucinantes, e teria que fazer uma escolha...

Ao mesmo tempo, Dani também teve a possibilidade de viajar e conhecer lugares fantásticos, como Cochamó e Los Arenales!

Diante de tantas oportunidades acabamos dividindo a equipe e seguindo roteiros diferentes. Andrea e Simone seguiram o plano inicial. Viajaram juntas e escalaram muuito no Frey, várias vias em cordada feminina! Uma grande inspiração para as Escaladoras do Sul darem continuidade ao que elas começaram. Eu e Dani seguimos outros rumos, mas também trouxemos novidades e informações para compartilhar com nossas amigas.

Foi assim que acabei conhecendo as belezas e a força da natureza de um pedacinho do sul patagônico. Tive o grande privilégio de escalar uma de suas montanhas e de realizar uma caminhada alucinante sobre o gelo continental! Contarei um pouco dessas experiências que pude trazer para o grupo, na próxima postagem.

Luana.

Conhecendo o Gelo Continental Patagônico

Viajar de ônibus para o sul da Argentina seguramente não é a forma mais confortável, afinal, levam-se cerca de três dias de Joinville a El Chaltén. Para quem compra passagem em cima da hora, o ônibus é uma opção um pouco mais barata que o avião, mas a grande vantagem mesmo é poder ir conhecendo um pouco da incrível paisagem deste país andino.

Assim, Eduardo Pedro e eu, Luana Hudler, partimos da calorosa Joinville, no dia 9 de janeiro, de ônibus, e sempre de ônibus chegamos em El Chaltén no dia 12/01/09.
A chegada, num final de tarde de céu limpo, foi bem marcante. Da estrada, ainda longe, as agulhas de granito despontam no horizonte, contrastando com as imensas mesetas que acabamos de cruzar no semidesértico patagônico. O peito foi se enchendo de uma euforia, de emoção mesmo ao ir chegando cada vez mais perto daquelas respeitáveis montanhas rodeadas por glaciares. Ao sair do ônibus, já no povoado de El Chaltén, o vento nos deu suas boas-vindas.




Chegando em El Chaltén


Os primeiros dias foram de mau tempo e aproveitamos para conhecer o pueblo, as pessoas, pegar informações, monitorar o tempo e traçar estratégias. Uma janela de bom tempo ainda iria demorar alguns dias. Ao invés de ficar esperando pelo bom tempo sem fazer nada, decidimos então fazer algo que planejáramos deixar para o final da viagem: uma travessia nos gelos continentais do sul patagônico.

Saímos da cidade com tempo ruim e adentramos o vale do Rio Elétrico rumo ao Paso Marconi, que dá acesso ao campo de gelo sul. O percurso inclui trechos de bosques, muitas morenas, a gelada travessia do Rio Pollone, mais morenas e por fim a subida do Glaciar Marconi, parte mais íngreme deste trajeto. Levamos três dias e meio para chegar ao Paso Marconi, durante os quais pudemos viver uma experiência intensa com o vento patagônico. Um vento fortíssimo que vez em quando nos derrubava no chão com fortes empurrões, dificultando a progressão e proporcionando visões surreais, como a água do Lago Eléctrico e das cachoeiras jorrando para cima!


Lago Eléctrico

No quarto dia alcançamos finalmente o Paso Marconi, mas creio que com bom tempo poderíamos ter chego ali em um dia e meio. Como o tempo continuava tormentoso, decidimos esperar a melhora no Refúgio Gorra Blanca, ao norte do Paso Marconi. O vento sacudiu o refúgio durante a noite toda e quase todo o dia seguinte. No final da tarde porém, uma surpresa. O céu limpou completamente e pudemos admirar a impressionante paisagem que havia em nosso entorno. O Cerro Gorra Blanca, com suas espessas encostas nevadas, os imensos e brancos maciços montanhosos que despontam a Oeste, o vasto platô de gelo que se perde nos horizontes. Em direção sul, as agulhas dos cordões Torre e Fitz Roy contrastando com o céu de fim de tarde. Um grande privilégio poder admirar toda essa beleza e sentir a magnitude daquele lugar.


Glaciar Gorra Blanca

No dia seguinte cruzamos todo o branco platô, do Refúgio Gorra Blanca até a Laguna Ferrari. Durante a caminhada percebíamos o isolamento daquele mundo de gelo e de silêncio, a paisagem intocável, protegida pelas barreiras cordilheiranas. Gigantescos glaciares deslizam pelas ladeiras das montanhas, tomando formas que revelam a vida própria desses rios de gelo. Parávamos por uns momentos para apreciar a vista da face oeste do Cordão Torre.

Prosseguimos pelo gelo firme em ritmo forte, contornando muitas gretas, até chegar nas bordas do imenso Glaciar Viedma. Pela morena, bordeamos o glaciar e em determinada altura podíamos contemplar aquela imensidão de gelo em movimento, que parte desde o horizonte, esparramando-se sobre o vale escavado pelo próprio glaciar.
O dia intenso de caminhada e de paisagens terminou na Laguna Ferrari, um pouco antes do Paso del Viento, onde passamos uma noite tranquila, sem vento e sem nuvens.
Dia seguinte fomos erguendo acampamento sem pressa, assimilando tudo o que já tínhamos visto e caminhado. Subimos lentamente a morena até o Paso del Viento. Havia ainda uma longa caminhada até El Chaltén. Descemos então as imensas morenas que bordeiam o Glaciar Túnel. Após uma tirolesa curta e bem aérea sobre o turbulento Río Túnel, passamos pela Laguna Toro e finalmente entramos em contato com o mundo verde novamente, deixando para trás aquele cenário completamente mineral. Seguimos mais algumas horas por bosques e prados até o povoado.

Chegamos de volta ao acampamento Confluencia, na entrada da cidade, ao final do dia, cansados e felizes pela “realização de um sonho antigo”, como disse meu parceiro Eduardo.
Um sonho antigo que nasceu aqui nas serras de Joinville, onde moramos. Um lugar totalmente diferente da patagônia é claro, mas o lugar onde nossa história com a montanha começou. Em El Chaltén, assim como em outras regiões dos Andes, as caminhadas de aproximação são bem longas, algumas com consideráveis desníveis. As muitas andanças pela Serra do Mar, que tem desníveis muitas vezes superiores a mil metros, proporcionaram bastante preparo para nossas pernas. Por isso, mesmo estando em terras longínquas, lembro sempre do lugar onde aprendemos e treinamos, adquirindo experiência e preparo para aventurar-nos em outras paragens.



Luana Hudler

Escalada na Aguja Guillaumet


Face Norte da Ag. Guillhaumet


Após a caminhada no gelo continental, nossa primeira experiência em El Chaltén, Edu e eu já estávamos nos preparando para a próxima empreitada. Só tínhamos que aguardar pela janela de bom tempo.

Assim, novamente adentramos o vale do Rio Eléctrico, desta vez para tentar escalar a Aguja Guillaumet, no extremo norte do cordão Fitz Roy. Queríamos escalar a rota Fonrouge-Comesaña, no pilar norte da agulha.
Caminhamos por bosques de lengas durante cerca de duas horas até chegar em Piedra del Fraille, um refúgio em propriedade particular. Um pouco antes deste refúgio, à esquerda, subimos a morena que leva a Piedra Negra, acampamento base da Ag. Guillaumet. São cerca de mil metros de desnível que consumiram 3hs de pesada caminhada. Chegando em Piedra Negra, haviam muitas barracas e muitas cordadas que também tentariam escalar a rota que havíamos elegido. Assim, decidimos tentar escalar outra via, a Espolón Dorado, na face Nordeste.

Saímos do bivaque às 6hs do dia seguinte, chegando na base da via após duas horas. Uma boa subida, o primeiro trecho em glaciar e depois uma morena íngreme e com muita rocha solta. O dia estava bastante frio, com algumas nuvens. Após 150ms de escalada mista, uma experiência nova para nós, chegamos na base de várias fissuras que estavam com muito gelo em início de descongelamento, molhando toda a rocha. Não era pra menos. Aquele era o segundo dia após quase uma semana nevando na montanha. Ainda não havia passado tempo suficiente para “limpar” o gelo das fissuras e poder escalar sem equipamento de gelo, que era o nosso caso. Eduardo tentou escalar uma das fissuras mas estava congelada. Tampouco me animei para tentar. Decidimos rapelar, com uma certa tristeza por não poder continuar a escalada. Mas a caminhada de volta ao acampamento foi tempo suficiente para espantar a frustração. Muitas vezes se aprende muito mais nas tentativas do que alcançando um cume. Aquele tipo de escalada ainda é bastante peculiar para nós e cada vez que provamos novos terrenos estamos aprendendo e se acostumando com o novo. Aprendendo sobre a montanha, sobre a escalada, sobre nós mesmos.



Escalada na via Espolón Dorado, Ag. Guillhaumet

Luana Hudler.

Regalo Patagônico - Escalada na Aguja De la S

Face Leste da Aguja De la S (foto de Edu RC)

Dois dias depois de tentar escalar a Guillaumet, de volta em Chaltén, conhecemos o Eduardo R. da Costa, um carioca muito gente fina que estava buscando parceria para escalar a Aguja De la S, que era justo outro de nossos objetivos. Assim formamos uma cordada de três, bem sintonizada, e seguimos rumo a De la S, no extremo sul do Cordão Fitz Roy.

Após 4hs de caminhada chegamos no acampamento Río Blanco, exclusivo para escaladores. Montamos aí um acampamento base e no dia seguinte subimos para o bivaque um pouco mais leves. De Río Blanco até o bivaque são mais umas duas horas, bordeando a bonita Laguna Sucia, com um visual alucinante do Paso Superior. Chegando no bivaque ainda fizemos um reconhecimento do caminho até o glaciar, uma morena sem trilhas nem pircas, um pouco difícil de se orientar.

Acordamos às 5h30, e pouco antes de sairmos chega ao bivaque uma cordada de um japonês e um norte-americano, vindo da agulha Saint Exupery. Eles haviam escalado a rota Buscaini, na gigante face sul da agulha, numa empreitada de 26hs. Nossa empreitada na De la S também nos esperava e começamos a aproximação até a base da agulha. Em cerca de 40min chegamos na base do glaciar, e caminhamos sobre ele mais uma hora e meia até chegar na base da via Austríaca, na face leste. O primeiro terço da rota original é escalada por um neveiro a 35/40º com 150m de extensão. A neve estava bastante blanda, afundando os pés até o joelho e sem possibilidade de proteger. Escalamos então apenas uma cordada pelo neveiro. Superamos a rimaya, que estava se decompondo, e prosseguimos por rocha e pequenos trechos de neveiros até atingirmos a base do grande diedro de 150m. Dali pra frente foi só desfrutar daquele belo granito.

Aproximação à Ag. de La S (Foto de Eduardo Pedro)




Escalando na Ag. de La S (Foto de Eduardo Rodrigues da Costa)



Após o bonito diedro, chegamos na aresta norte. Mais 150 ms de parede por um sistema de fendas de rocha bastante abrasiva, as fendas meio abertas e arredondadas, algumas proteções um pouco duvidosas. Mas a escalada era relativamente fácil e prosseguimos sem problemas até o cume.

Aresta Norte da Ag. De la S

Chegar ao cume foi um verdadeiro presente, uma vista maravilhosa e emocionante do isolado vale do Cordão Torre e suas imponentes agulhas. Claro que aquele momento foi desfrutado rapidamente e logo já demos início à descida, os inúmeros rapéis até chegar no chão novamente. Os últimos rapéis já fizemos no escuro, algumas transversais e trechos de neveiros, experimentando a tensão que provoca uma situação de perigo. Graças aos deuses patagônicos deu tudo certo, a corda não engatou nenhuma vez e chegamos no glaciar aliviados. Havia ainda a caminhada pelo glaciar e no escuro tudo demora mais. Depois de uma perdidinha na morena, chegamos no bivaque por volta das 3hs da manhã, cansados, mas com uma sensação maravilhosa de satisfação. O vento, guardião dessas selvagens torres de granito, nos deu a chance de estar pendurados em suas paredes por algumas horas e estávamos repletos de alegria e gratidão por esse verdadeiro regalo patagônico.



Cume da Ag. de la S (foto de Edu RC)
Cume da Ag. de la S, com vista para o Cordão Torre

Luana Hudler.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Os acrobatas

Subamos!
Subamos acima
Subamos além, subamos
Acima do além subamos!
Com a posse física dos braços
Inelutavelmente galgaremos
O grande mar de estrelas
Através de milênios de luz.

Subamos!
Como dois atletas
O rosto petrificado
No pálido sorriso do esforço
Subamos acima
Com a posse física dos braços
E os músculos desmensurados
Na calma convulsa da ascensão.

Oh, acima
Mais longe que tudo
Além, mais longe que acima do além!
Como dois acrobatas
Subamos, lentíssimos
Lá onde o infinito
De tão infinito
Nem mais nome tem
Subamos!

Tensos
Pela corda luminosa
Que pende invisível
E cujos nós são astros
Queimando nas mãos
Subamos à tona
Do grande mar de estrelas
Onde dorme a noite
Subamos!(...)
(Vinícius de Moraes)


Subamos pois somos capazes, a força de uma grande parceria nos empurra, nos estimula e nos arranca os medos,estes ingratos companheiros.
A viagem começou e terminou cheia de coincidências. Ao chegar no local de destino a rotina tornou-se simples e por vezes dura: acordar, ...um mate, caminhar com mochila pesada, ESCALAAAR, descer, caminhar rumo a barraca, comer, as vezes um vinho e dormir!!
Poucos foram os dias de atividades especiais como: curtir a neve caindo, descer para comprar comida (e outras coisinhas importantes), lavar o cabelo, descansar...
Durante este "cotidiano patagônico" aprendi muito sobre tecnicas de ascensão, de descida, nós, tecnicas de "navegação" e outras tecnicas de vida.
A parceria foi forte e as experiências maravilhosas!!!

Simone





sexta-feira, 20 de março de 2009

Desabafo


Não tenho do que reclamar, estou em casa feliz, contente e ja sem o gesso, mas eu tinha que escrever isso.

Em fevereiro de 2009 eu quebrei a perna em um acidente de escalada. Tive uma fratura de fíbula e outra incompleta de tíbia. Na verdade não foi nada grave, tanto que nem deu para o médico ver que estava quebrado. Mas como a fratura se deu por esmagamento havia uma ferida em cima. O que quero contar é que a parte mais dolorida de todo acidente e período de recuperação, até agora, foi a parte do médico. O cara era pediatra. Ele foi muito seco comigo.

Cheguei de maca, já assustada porque tenho medo de médico, ele nem olhou na minha cara direito. Colocaram-me deitadinha e ele foi ver meu pé. Tirou as compressas que estavam no ferimento limpou com bastante força e depois começou a apertar...Só de lembrar tá me dando coisa...Me apertou tanto que uma hora espirrou sangue, espirrou de verdade. Ai credo!!! Ele nunca mencionou para mim o que ele estava buscando por ali. Acho que ele queria saber se estava quebrado.

Na verdade ele estava apertando justamente em um dos lugares onde estava quebrado. Eu já nem sabia mais se doía ou se eu estava ficando louca – tenho uma boa capacidade para controlar a dor através da respiração, e isso me confunde um pouco. Bom, o que eu queria saber é se mesmo que ele fosse capaz de descobrir alguma fratura em mim, qual seria a real urgência de se descobrir isso naquela noite? Se de qualquer forma no outro dia me desceriam para um hospital onde eu tiraria uma radiografia? Além disso, quando cheguei em Floripa o médico daqui disse que se a fíbula tivesse saído do lugar eu teria que passar por cirurgia. E se aquele senhor tivesse apertado a minha fíbula com a mesma força que ele apertou a tíbia? Cara, foi incrível.

Hoje lembro, e chega a ser cômico. A hora que a minha parceira de escalada lhe perguntou se ele era o médico ele respondeu: - Si, pero no Dios...!! Juro!!! Ele respondeu isso...tem testemunha e tudo. Agora outra coisa que eu não tinha nunca pensado é na falsa confiança que temos aos médicos. Para mim isso mudou. Que eu nunca mais passe por uma situação que eu precise de um médico. Mas se eu passar espero estar muito mais forte psicologicamente para não deixar que ele ponha a mão em mim só porque ele é medico. Vai ter que me explicar tudo que for fazer, senão não faz.

Se vocês vissem a forma como ele tirava a meia do meu pé. Foi de deixar brava. E mesmo que ele fosse me salvar a vida por me apertar minha ferida daquele jeito, um pouco mais de simpatia não faz mal a ninguém. Detalhe: depois dele nenhum outro medico chegou a querer tocar minha ferida, só o do hospital de Bariloche para dar o ponto. Outro detalhe: alguém já ouviu falar que em caso de sangramento, depois de limpar a ferida e colocar as compressas, não se deve mais retirar o curativo para não remover o coágulo?? Ele tirou o curativo umas três vezes para ver se tinha parado de sangrar!!! Mas bão, era só pra desabafar e pra se alguém perceber que o cara ta viajando, fazendo doer sem necessidade: nao fique insegura. Manda tirar a mão.

era isso...bjao

Andrea

terça-feira, 17 de março de 2009

Resultados

Finalmente, depois de algumas alterações nos planos estamos de volta!! Ainda em dezembro de 2008, surgiu a oportunidade para a Dani ir conhecer Cochamo no Chile, e quem sabe depois nos encontrarmos em Arenales e da Luana ir para Chalten, Patagonia Argentina. Então as moças foram a serviço da equipe para conhecer novos horizontes e trazer novidades. Mas isso elas ja devem estar por postar.



Simone e eu (Andrea) saímos de Floripa no dia 8 de janeiro. Fomos de uninho, que pra quem conhece sabe que isso já era uma aventura...A viagem até Bariloche durou 3 dias. O último trecho da viagem fizemos a noite, era lua cheia, e quem conhece pode imaginar o que foi passar pelo Valle Encantado com o dia amanhcendo.




Chegamos em Bariloche e aproveitamos o dia para comprar comida. No dia seguinte ja estavamos subindo para o Frey...Subimos todo equipamento e comida para três dias aproximadamente. Apesar das mochilas pesadas a trilha foi bem tranquila e fomos curtindo o bosque.
No primeiro dia de escalada fomos na clássica Diedro de jim, mas choveu e só fizemos a 1a cordada. No dia seguinte fomos para a agulha La Vieja e fizemos a Del Frente (5), onde a Si guiou sua primeira cordada no Frey. Depois disso foi só alegria!!!



O tempo durante o mês de janeiro colaborou bastante assim que escalamos quase todos os dias de 14 de janeiro a 7 de fevereiro. Ao final havíamos estabelecido uma deliciosa rotina de acorda, come, banheiro, escala, volta come, vinho e dorme para escalar no dia seguinte.



Nos primeiros dias estávamos um pouco inseguras, adaptando-nos ao terreno. Mas pouco a pouco, a confiança começou a crescer entre nós. A parceria entre a cordada foi excelente e fez com que ambas desenvolvêssemos bastante. Escalamos todo tempo alternando quem guiava e isso fez com que a escalada fluisse bastante.











Fizemos vias como a Shiva de los quatro brazos (5+) na Piramidal ,
On marche sur la lune (6a+) na Banana, Clemenzo (5) na Principal.


Fomos também na agulha El Tonto Le Gran tom (6a) e Lobo Blanco (6b). Nos dias de descanso de pernas e cabeça ficávamos pela M2 fazendo Socotroco (6b), Acqualung (6c, de top) e Del Diedro (5) ou então na Abuelo fazendo Aprendiendo a volar (6a) e Del Techo (6a.






Até na agulha Frey “descansamos” na Sifuentes Weber (5),
Los Museos (6a+) e Lost Fingers (6b).


Depois pusemos as cabecinhas para fritar no Campanille Esloveno na Founrouge Bertoncelli (6b).






E, para finalizar perfeito: Gemidos de Buitre saindo por Los Bolsoneros (Tramo mais dificial 6a+). Uma via linda!! que uns "gurizinhos" - Los Pibes, tinham recomendado pra gente. Começa em uma fenda larga de meio corpo (6a), passa por uma fenda de mão perfeita (6a), faz uma travessia pra fugir do 6b/c original da via e pega um tetinho de 6a+ muito legal!!! De perder os pés pra fazer o movimento!!!
Bom estava tudo perfeito, mas no último dia em que íamos escalar no Frey, era lua cheia e ja estávamos demontando acampamento para ir pro Tronador, tivemos um acidente na agulha Piramidal e eu quebrei a perna...a fratura em si nao foi nada sério.














Teve seu lado bom, porque Simone e eu pudemos nos conhecer melhor em uma situação diferente, e isso, acredito que posso falar pelas duas, fez com que a nossa confiança mutua crescesse significativamente.
Infelizmente Tronador e Arenales ficaram pra próxima temporada. Eu já havia ido ao Frey nos três anos anteriores, mas foi só agora que eu consegui entender as metas que se pode chegar a alcançar quando se tem uma boa parceria. Fora a força que nos dava a motivação que rolava por parte da galera que estava acampada por lá. Os escaladores nos passavam “os betas” das vias sempre incentivando-nos, acreditando que seríamos capazes.Infelizmente, éramos a única cordada feminina do acampamento. Torço pelo dia em que se chegue a um acampamento de escalada e encontre um número mais parelho entre homens e mulheres. Não por nada. Só pra quando minha parceira quiser descansar, eu possa ter a opção de escalar com outra menina. Pra poder planejar mais cordadas femininas por ai...Cordada feminina no Peru, por exemplo!!! Morreria de satisfação...Catherine Destivelle, grande alpinista francesa, disse em seu livro Ascensiones que um dos motivos que a levava a solar, é que sempre que ela ia com um homem, por mais que ela participasse ativamente das cordadas, ela sempre se sentia sendo levada...É acho que ela não havia experimentado escalar com uma amigA.
Foi triste voltar antes, mas passamos pelo litoral a visitar uns amigos em Puerto Piramides, Peninsula Valdez. A Si teve oportunidade de mergulhar...Eu, depois do acidente, fiquei só mateando e tomando vinho....Mas a motivação segue forte, e já estamos começando a ter idéinhas de viagens outra vez.....